quarta-feira, 26 de dezembro de 2007


na última vez em que estiveram sozinhos, estrangulados um do outro, era uma tarde de dezembro e embora não chovesse, o céu parecia escuro demais, ruidoso demais, distante demais,envelhecido demais. havia fotos sobre a cama, memórias fixadas à parede e um amontoado de sonhos, sonhos em sépia, feito chão outonal coberto de folhas. fecharei a porta sem olhar para trás, pensou. atravessarei a rua com passos firmes, decidiu. seguirei adiante mesmo que aos tropeços. é isso? deixar tudo porque tens medo, porque abraças o vazio como quem rumina esperanças? fraco, é o que és. um tecelão de destinos reticentes. na última vez em que estiveram sozinhos restava uma pálida imagem refletida no espelho, feita de rostos tristes a velar o anúncio de um amanhã tranqüilo, acomodado e pio. porque a imobilidade sobrevive ao tempo quando o amor está farto de si.


imagem de dino valls

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007


amargura, diziam
percorrendo as vestes do cotidiano
exumando o passado
atados um ao outro
com medo da solidão


imagem de mário eloy pereira

domingo, 4 de novembro de 2007


alheios ao tempo ficavam
acreditando frear a sanidade
trazida às suas entranhas
feito sobras de um amor bretoniano

imagem de dino valls

sábado, 6 de outubro de 2007

quando a distância aproxima desamor e indiferença
crescendo no peito uma aurora muda
destelhada e terminalmente vazia
são restos os sonhos que sobrevivem às retinas
tristes ecos reticentes abrigados em si mesmos


imagem de eduardo naranjo

domingo, 23 de setembro de 2007

acolhe-me em teus braços gentis
e canta uma canção que me traga acalento
hoje eu preciso da tua companhia
e não do silêncio que vem com o luar


imagem de redon

segunda-feira, 3 de setembro de 2007


o céu que nos protege
tem cor de palavras
quando escritas em gritos

sob as pálpebras dos sonhos

domingo, 19 de agosto de 2007


cuspo amargura nos teus sonhos
pois precisas saber
que o amor não se sustenta
o amor simplesmente
adoece e rasteja
levando embora
todas aquelas manhãs
que um dia nós dois
ousamos sorrir

(eras tu quem amanhecia meus girassóis)


imagem de Oswaldo Guayasamín

sexta-feira, 3 de agosto de 2007



na tristeza estampada
pelos cantos da casa
há memórias pedintes
amputadas de si
espelhos, espelhos meus
que emudecem
emudecem...

terça-feira, 24 de julho de 2007


creio nas manhãs
como se o sol pudesse trazer
um instante de serenidade
ou mesmo um abraço
a esse amor que já morreu

imagem de alejandro asencio

domingo, 8 de julho de 2007


espero pelo raiar do sol
estupidamente preso às palavras
que não chegam
que não foram
que não sabem
nada de ti
nada de mim
nada daqui...

segunda-feira, 18 de junho de 2007

chegas como chega um estranho
mas este é o teu lar
são teus os livros
tuas as botas
o medo de não saberes
onde cansado repousarás


e paras



por um instante




há algo faltando ali
algo faltando em ti



na tessitura do destino
condenado a si mesmo
escapou-lhe a solidão

imagem de siegfried

segunda-feira, 4 de junho de 2007


A noite acabou, meu amor
e você não esteve aqui.
Tinha outros mundos por descobrir,
eu sei.
(Não passo de um tolo escrevinhador de estrelas sem lar.)
Mesmo assim eu fui lá fora
descobrir estar vazia a cidade,
com tantas pessoas ocupadas e sorridentes.
(Até hoje, mantive-as longe daqui. Longe daqui!)
O nosso esconderijo, meu amor
de você esteve rarefeito.
Ruiu aceleradamente.
Nervoso.
Amargurado.
Carcomido pelo medo,
de nós dois.
Para sempre, você disse.
Mas o sol chegou mais cedo,
a mim vindo despertar.
Como quem nos rouba
um sonho bom.
Para nunca mais.

sábado, 26 de maio de 2007


estranhos
acomodados na mais perfeita tranqüilidade,
mentirosa
porque não há mais nada que os una
a não ser um ontem desolado,
escrito por mãos amedrontadas

(desfeitas,
as verdades acumulam poeira
e deixam-nos
sós)
imagem de escher

sábado, 5 de maio de 2007


estou a desperdiçar a vida, ela disse
é como se o tempo passasse sem aqui nada deixar
amor
fúria
ou sonhos

escondo-me do amanhã, ele disse
repulso a velhice cuspindo-lhe na cara minha insignificância
crueza
amargura
e medo

(agarrados um ao outro
consumiam-se em desespero
sustentando o fim )
imagem de dino valls

sexta-feira, 13 de abril de 2007


azul-empalidecido é o silêncio feito da poeira daquilo que preservamos quieto, dentro dos ossos – as horas revisitando os estilhaços dos nossos fantasmas insones. azul-encarnado é o silêncio das memórias rompendo a rigidez moribunda do tempo, além acima – as estações alinhadas diante do horizonte chuvoso [febris, trazemos nas mãos o desdizer do destino. e acreditamos que ainda podemos sonhar]

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Algumas vezes, escolhemos o pôr-do-sol como refúgio e ficamos ali, diante do rio, observando os barquinhos passarem enquanto o poente avança, trazendo novas cores ao céu outrora apenas azul. Ao vermos o sol, já quase mergulhado no horizonte, invadem-nos harmonicamente o silêncio e a leveza, desarmando nossas mentiras, revirando-nos dos pés à cabeça, para então, levar-nos pra longe, tão longe que ao nos apercebermos já não cabemos mais em nosso próprio mundo e acabamos por sentir um imenso vazio – um vazio de nós mesmos. Nesses momentos, não há poesia, nem prece ou canção capaz de preencher-nos. Estamos sós, afagados por uma solidão faminta, atenciosa, paciente, meticulosa e fiel. Dói-nos a alma. A respiração concentra-se num só ponto. Os ossos estalam em desespero. É penoso o desnudar de si mesmo. Assustados, socorremo-nos da lucidez. Infalível! Os nossos olhos recobram a velha clareza ao verem um pássaro em vôo de retirada. A tranqüilidade retoma o seu lugar. Passamos a notar os carros, as pessoas, os cães vadios e aquele mendigo, a esperar. Com alívio, damos às costas ao que resta da tarde. Saudamos a rotina. Calculamos os próximos passos. Escolhemos o destino de sempre. Sempre. Ah! bom mesmo seria na loucura mergulhar antes do sol. E trazer do fundo do rio, estrelas cadentes na palma das mãos.
imagem de ismael nery

sábado, 10 de março de 2007


nesta madrugada ausente
dos teus olhos
já não sei
se emudeço ou parto
outros céus em cores
covardemente perfiladas
na palma das minhas mãos
...
imagem vicente dopico

quinta-feira, 1 de março de 2007


meu reflexo
reconhece o tempo
e trai-me a confiança
quando noite
inflexível
por dentro vasculha
a velhice que temo

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

naranjo
mas eram teus olhos
que de lua disfarçados
alumiavam-me a solidão
naqueles tempos de amargura
onde o céu devorava estrelas
cuspindo desesperança sobre nós

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007


siegfried
estranhos mundos
os teus
não se aquietam
quando sós
descascam a tinta das paredes
do quarto onde escondo meus sonhos
fiapos de sombras murmurando bendizeres
quando rogo clemência
loucos
dão-me as costas em temor

domingo, 21 de janeiro de 2007


escapo à solidão que não soube me devorar, em silêncio. os odores da madrugada vêem-me verticalizar o prenúncio duma aurora possível de ser sonhada, sem ti. espantalho, desfiz o nó do medo e cementei meu coração. só o que pedi era pra que amanhecesses meus girassóis.


não há mais rastros da saudade
somos dois estranhos inventados por nós mesmos
neste quarto limpo de vida
a recortar nossa história em pedacinhos
VISÍVEIS demais para serem ignorados
DISTANTES demais para serem caminhados
MEDROSOS demais para serem amados
PATÉTICAS amostras dum fim arrastado

terça-feira, 9 de janeiro de 2007


quando a descrença
apodera-se de mim
não quero saber
do tempo a demorar
enfiado em si mesmo
preso às coisas banais
aos pormenores viciosos
e às incômodas minúcias
apalavradas com a sanidade

quero apenas escapar
desse deserto imune às cores
e dentro de uma nuvem cheia
ser capaz de chover felicidade
pra desertar dessa tristeza tão imensa
alimento da tua ausência inacabada
bem maior que a solidão

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

eduardo naranjo

gotejante veneno
descendo
corpo abaixo
narinas vedadas
coração estacionado
punho enfiado no eixo
do amor
só o que importa
QUEDA